Movimento dos Atingidos por Barragens

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O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é um movimento nacional, autônomo, de massa, de luta, com direção coletiva em todos os níveis, com rostos regionais, sem distinção de sexo, cor, religião, partido político e grau de instrução.

É um movimento popular, reivindicatório e político. A prática militante é orientada pela pedagogia do exemplo e a sua luta se alimenta no profundo sentimento de amor ao povo e à vida.[1]

Historia

20 anos de organização, lutas e conquistas

Muita resistência, lutas e conquistas. Essa tem sido a história de organização dos atingidos por barragens no Brasil. São 20 anos de movimento nacional em defesa dos direitos dos atingidos e atingidas, em defesa da água e da energia e pela construção de um Projeto Popular para o país.[2]

Final da década de 70: os primeiros passos

Os primeiros passos da organização dos atingidos por barragens teve início ainda no final da década de 70, na ditadura militar, período em que ocorreu a retirada forçada de direitos civis e políticos. Ao mesmo tempo em que a ditadura restringia os direitos, a indignação contra o regime fez com que surgissem várias formas de organização e luta. É neste período que também surgem várias forças importantes de trabalhadores como o Movimento Sem Terra, a Central Única dos Trabalhadores e o próprio Partido dos Trabalhadores.

O período foi marcado por uma grave crise energética a nível mundial, com a primeira grande crise do petróleo. Isso fez com que os países centrais fossem em busca de novas formas de gerar energia já pensando em como substituir a falta de petróleo. Com isso, os países com potencial em outras fontes começaram a ser alvo de estudos e implementação de formas “renováveis” de geração de energia.

No Brasil, a Eletrobrás foi responsável por desenvolver um estudo aprofundado sobre o potencial hidrelétrico, análise dos rios e bacias hidrográficas. Como nosso país é rico em água doce, rios com grande volume de água e quedas suficientes para gerar energia elétrica, a conclusão do estudo foi um mapeamento detalhado de onde se poderia construir as usinas hidrelétricas.

Grandes empresas eletrointensivas (alumínio, ferro-liga, etc) estavam se instalando no país e exigiam as condições de infra-estrutura, nesse caso em especial, energia elétrica. Com isso, o Estado brasileiro foi o grande financiador da construção das hidrelétricas.

Imediatamente iniciou-se a construção de grandes usinas em várias regiões do país. Ao mesmo tempo que havia um estudo sobre o potencial e como fazer o aproveitamento da energia, não havia uma proposta de indenização adequada das famílias que viviam na beira dos rios. Conseqüência disso foi a expulsão de milhares de famílias de suas terras e casas, a maioria sem ter para onde ir. Muitas foram para as favelas das cidades, engrossaram as fileiras de sem-terras.[3]

A criação das comissões regionais de atingidos

Gerou-se um clima de insatisfação das famílias e surgiram vários focos de resistência onde as obras estavam sendo construídas. Os principais locais de luta foram: Tucuruí (PA) no norte do país, Itaipu (binacional com Paraguai) no sul, Sobradinho e Itaparica no nordeste. E mais adiante, Itá e Machadinho também na região sul. Nessas regiões os atingidos iniciaram com revoltas, lutas por indenização e logo formaram organizações locais e regionais de resistência. Eram as chamadas Comissões de Atingidos, CRAB (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens) na região Sul, CAHTU (Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí), CRABI (Comissão Regional dos Atingidos do Rio Iguaçu).

Nesse período, a principal reivindicação dos atingidos era INDENIZAÇÃO JUSTA. Ou seja, queriam ser ressarcidos das perdas a que estavam sujeitos com a construção das usinas.

Logo adiante as famílias avançaram no debate da indenização no sentido de que tinham o direito de continuar na terra, sendo agricultores, produzindo seu próprio alimento. Ou seja, a indenização não poderia ser qualquer coisa, deveria garantir a permanência na terra. Por isso a principal bandeira de reivindicação passou a ser TERRA POR TERRA.

Esse processo de organização em nível regional conseguiu desencadear lutas, bem como obteve conquistas importantes para os atingidos, como foi o caso dos atingidos pela UHE Itá, quando em 1987, as famílias conquistaram um acordo sobre a construção de reassentamentos coletivos. Esse acordo mencionou sobre regras de quem eram os atingidos e também sobre os padrões de casa, terra, assistência técnica para as famílias reassentadas. O acordo é uma referência até hoje para a luta por reassentamentos nas várias regiões onde os atingidos estão organizados.

As conquistas foram acontecendo através de muita luta e organização. Houve enfrentamentos entre atingidos e empresas construtoras das obras para que os direitos fossem cumpridos. Mesmo assim, a forma de indenização dos atingidos foi bastante diversa de acordo com as lutas que se conseguiu travar em cada local.[4]

Os encontros nacionais e a criação do movimento nacional

As experiências de luta local foram extremamente importantes e desencadearam em um processo de articulação. Em 1989, foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, que contou com a participação de representantes de várias regiões do País. Foi um momento onde se realizou um levantamento global das lutas e experiências dos atingidos em todo o país. Foi então decidido constituir uma organização mais forte a nível nacional para fazer frente aos planos de construção de grandes barragens.

Aos poucos essa organização foi se constituindo como uma importante ferramenta de luta dos atingidos, com caráter nacional e ganhando mais poder de disputa. Esta experiência foi importante para impulsionar as organizações de atingidos em outros locais.

Dois anos depois, foi realizado o I Congresso dos Atingidos de todo o Brasil - em março de 1991-, onde se decide que o MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, deveria ser um movimento nacional, popular e autônomo, organizando e articulando as ações contra as barragens a partir das realidades locais, à luz dos princípios deliberados pelo Congresso. O dia 14 de Março é instituído como o Dia Nacional de Luta Contra as Barragens, sendo celebrado em todo o país.

A luta contra as barragens se intensificou na compreensão de que o problema central está no modelo energético e nossa palavra de ordem passou a ser TERRA SIM, BARRAGEM NÃO! A luta pelo direito a ter terra, casa, vida digna continuou com a compreensão de que era possível ter dignidade sem necessitar construir as barragens.

Os Congressos Nacionais do MAB passaram a ser realizados de três em três anos, sempre reunindo representantes de todas as regiões organizadas.[5]

A onda de privatizações e a organização internacional dos atingidos

Na década de 90, o Brasil passou por um intenso processo de avanço do neoliberalismo. O Plano Nacional de Desestatização (PND) colocou na ordem do dia a entrega do patrimônio público construído durante muitos anos com recursos do povo brasileiro. A energia elétrica, bem estratégico para o desenvolvimento do país, também foi privatizada. Várias hidrelétricas e todo o Sistema Interligado Nacional construídos até o momento foram entregues para as transnacionais. Com isso as lutas que já eram acirradas com empresas estatais passaram a ser muito mais difíceis. Grandes empresas do setor energético, mineradoras, papeleiras, grandes bancos passaram a ser donos das barragens. Isso colocou em outro nível a luta dos atingidos.

Nesse momento histórico a palavra de ordem dos atingidos era ÁGUAS PARA VIDA, NÃO PARA MORTE! Trazia todo um significado em relação a defesa do meio ambiente e a forma como a natureza é utilizada para enriquecimento de alguns poucos em detrimento da maioria.

A nossa luta foi construindo vários legados, o exemplo contribuiu na organização de atingidos em outras partes do mundo. Com o apoio de diversas entidades realizamos em março de 1997 o 1º Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens, na cidade de Curitiba (PR). O Encontro Internacional contou com a participação de 20 países, dentre eles, atingidos por barragens e organizações de apoio. Durante o encontro, atingidos por barragens da Ásia, América, África e Europa puderam compartilhar as suas experiências de lutas e conquistas, fazer denúncias e discutir as políticas energéticas, a luta contra as barragens em escala internacional, bem como, formas de defender os direitos das famílias atingidas e o fortalecimento internacional do Movimento. Do encontro, resultou a Declaração de Curitiba, que unifica as lutas internacionais e institui o Dia 14 de Março, como o Dia Internacional de Luta Contra as Barragens.

Fruto desta articulação e por pressão dos movimentos de atingidos por barragens de todo o mundo, ainda no ano de 1997 foi criada na Suíça a Comissão Mundial de Barragens (CMB), ligada ao Banco Mundial e com a participação de representantes de ONGs, Movimentos de Atingidos, empresas construtoras de barragens, entidades de financiamento e governos. A CMB teve o objetivo de levantar e propor soluções para os problemas causados pelas construtoras de barragens em nível mundial, bem como propor alternativas. Deste debate, que durou aproximadamente três anos, resultou no relatório final da CMB, que mostra os problemas causados pelas barragens e aponta um novo modelo para tomada de decisões.

Em novembro de 1999 o MAB realizou seu IV Congresso Nacional, em Minas Gerais, onde foi reafirmado o compromisso de lutar contra o modelo capitalista neoliberal e por um Projeto Popular para o Brasil que inclua um novo modelo energético. Foi reafirmado o método de organização de base do MAB, através dos grupos de base, instância de organização, multiplicação das informações e resistência ao modelo capitalista.[6]

Novas perspectivas na virada do século: mais luta popular

Em 2002, surgiu um novo elemento no cenário nacional com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. De certa forma isso trouxe um ânimo para as lutas populares, pois era a esperança de construir um projeto mais progressista que levasse em conta as necessidades do povo.

Em junho de 2003, aconteceu o 1° Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, em Brasília, no qual se reafirmou a luta popular como o único instrumento capaz de obter conquistas concretas para o povo. No ano seguinte, o MAB realizou uma marcha histórica com cerca de 600 militantes. Foi a Marcha Nacional Águas pela Vida, percorrida de Goiânia à Brasília, para exigir do governo federal o cumprimento dos direitos dos atingidos.

Com o avanço do capital privado, a energia passou a ser uma mercadoria como tantas outras, possível de ser comprada e vendida pelo preço que interessasse aos capitalistas. A natureza se tornou mercadoria a ser explorada para gerar lucros. Os atingidos foram percebendo que a luta pelos direitos só se concretiza ao ser feita com o questionamento à construção das hidrelétricas e ao modelo energético de forma geral.

As empresas privadas, além de construírem as hidrelétricas com único interesse em gerar lucro, também criminalizam todos que questionam o modelo e lutam por seus direitos.

Nesses anos de luta, os atingidos têm sofrido muitas violações de direitos humanos. Por isso, nossa luta tem sido em defesa dos direitos humanos e também a denúncia sobre as violações sofridas. Em 2005 veio ao Brasil a então relatora da ONU para Direitos Humanos, Hina Jilani, que visitou um acampamento de atingidos na barragem de Campos Novos (SC). A relatora constatou a violação dos direitos e recomendou mais ação contra as empresas. Naquele momento havia somente na bacia do rio Uruguai 107 atingidos por barragens processados por defenderem seus direitos. Dali em diante, ainda muitos atingidos foram criminalizados e até presos em várias regiões do país.

Em março de 2006, aconteceu o 2º Encontro Nacional dos Atingidos por Barragens em Curitiba/PR. No encontro estavam presentes 1200 atingidos de todo Brasil que reafirmaram o caráter nacional do MAB, a importância das especificidades regionais e o caráter popular, sindical e político do Movimento.

No encontro foi reforçado o caráter da luta contra o atual modelo energético. E nossa principal palavra de ordem tornou-se ÁGUA E ENERGIA NÃO SÃO MERCADORIAS! Compreendemos que a água e a energia são bens essenciais para a vida das pessoas e para a sociedade, e por isso devem ser um bem público, onde todos tenham acesso com qualidade. Não pode ser privatizada nas mãos de multinacionais que tem como único interesse aumentar seus lucros.

A luta em defesa dos direitos dos atingidos só aumentou com a compreensão da sua importância e necessidade. Conseguimos ter mais aliados, mais organizações amigas e também mais espaços para contribuirmos na organização. Neste último período tem se intensificado as articulações internacionais para ajudar na organização dos atingidos em outros países, principalmente na América Latina, os quais sofrem as mesmas violações de direitos.

Em 2009 durante o lançamento do Plano Safra daquele ano, e posteriormente em falas e audiência com o MAB, o então presidente Lula reconheceu que o Estado brasileiro tem uma dívida histórica com os atingidos por barragens. Falou também que não terminaria seu mandato sem resolver esses problemas. No entanto sabemos que os problemas não foram resolvidos e por isso os atingidos continuam organizados.

Um elemento que perpassou anos na história do MAB e que mais recentemente tem se intensificado é o debate sobre gênero e as violações de direitos das mulheres atingidas por barragens. Esse tema foi tomando corpo dentro da organização e em abril de 2011 foi realizado em Brasília o primeiro Encontro das Mulheres Atingidas por Barragens. O encontro contou com a presença de 500 mulheres, que debateram a situação de violência, as lutas que travam e saíram mais fortalecidas para se engajarem na organização.

Atualmente o MAB está organizado em dezesseis estados do Brasil (RS, SC, PR, SP, MT, MG, BA, PE, PB, CE, PI, GO, TO, MA, PA e RO).

Seguimos erguendo bandeiras contra as injustiças, pelos direitos dos atingidos por barragens, por um modelo energético popular que leve em conta as necessidades do povo, e por um projeto popular para o Brasil.

Água e energia não são mercadorias!

Água e energia são para soberania![7]

Organização

Por que nos organizamos?

A participação desorganizada na sociedade geralmente faz com que o povo seja utilizado como “massa de manobra” e o resultado desta participação geralmente não é bom para o povo. Um time de futebol, onde os 11 jogadores participam desorganizadamente na partida (cada um faz o que quer), geralmente acaba com a vitória do adversário. Se a população deseja impedir a construção de uma barragem tem que se organizar para conseguir seus direitos. A organização do MAB serve para reunir (juntar os oprimidos); para esclarecer (clarear a mente); para despertar (alertar as pessoas); e para, através da nossa força, lutar pelo que queremos.[8]

Quem participa do MAB?

Participam dos Grupos de Base todas as famílias ameaçadas ou atingidas direta e indiretamente por barragens. Na prática, isso significa organizar todos aqueles que moram nas comunidades atingidas e estão dispostos a lutar. Participam dos grupos, não só as famílias que possuem terras nas comunidades, mas também aquelas que de alguma forma dependem economicamente da comunidade atingida para viver ou do próprio rio, ou seja, os arrendatários, os posseiros, os pescadores, os meeiros, os parceiros, os agregados, os trabalhadores rurais sem-terra, entre outros.[8]

Como nos Organizamos?

Todas as famílias do MAB, em cada região, estão organizadas nos grupos de base, que é o que dá força e vida ao movimento. Além dos grupos, existem as coordenações a nível local, estadual e nacional.[8]

O que é Grupo de Base?

O Grupo de Base é a parte essencial do Movimento; é seu alicerce, sua força e o seu povoorganizado. É a porta de entrada que acolhe e escolhe as pessoas que querem lutar por seus direitos. O Grupo de Base reúne as famílias de uma determinada comunidade ou bairro, que já se comprometeram com o Movimento. Uma comunidade ou bairro, quando muito grandes, podem ter vários Grupos de Base.[8]

Ver também

Links externos

Referências

  1. MAB - Quem Somos
  2. MAB - Historia
  3. Final da década de 70: os primeiros passos
  4. MAB - A criação das comissões regionais de atingidos
  5. MAB - Os encontros nacionais e a criação do movimento nacional
  6. A onda de privatizações e a organização internacional dos atingidos
  7. Novas perspectivas na virada do século: mais luta popular
  8. 8,0 8,1 8,2 8,3 Organização